O livro “O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família” é uma obra do autor Eugênio Vilaça Mendes, destaca o novo cenário de transição epidemiológica e demográfica. Leitura necessária para todos que atuam na área da saúde pública no país, um verdadeiro mergulho nos problemas e soluções da atenção à saúde no Brasil. Citamos alguns trechos do livro, principalmente relacionado a visão do autor sobre o apoio diagnóstico.
Em oito capítulos abordados no livro é possível percorrer o processo histórico de desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde no Brasil e no mundo, com evidências de que a APS foi uma decisão acertada tanto pela OMS como pelos países que a adotaram como prioridade para seus sistemas de saúde.
Comenta também sobre a necessidade de reorganizar e integrar os serviços de saúde por meio das Redes de Atenção, recomenda estabelecer um novo ciclo para superar os desafio estruturais para a Estratégia Saúde da Família e, por fim, descreve o modelo de atenção às condições crônicas a ser desenvolvido no SUS, abordando tanto aspectos preventivos e de promoção da saúde quanto de gestão e gestão da clínica.
No livro o autor destaca a fragilidade do Programa Saúde da Família (PSF), mas a leitura equivocada do fracasso do PSF merece ser mais bem interpretada. Ela decorre da permanência de problemas que não foram superados na estruturação dessa política de APS. A persistência desses problemas fez com que, de certa forma, eles se cronificassem ao longo dessa década e meia de existência do PSF e levou ao esgotamento do ciclo da atenção básica à saúde.
Aborda pontos críticos, problemas que constrangem o desenvolvimento do PSF, como a carência de equipes multiprofissionais, a fragilidade dos sistemas de informação clínica, essenciais para o funcionamento do PSF, a baixa densidade tecnológica, carência de infraestrutura adequada, A baixa valorização política, econômica e social do PSF resulta, em grande parte, da questão ideológica, a fragilidade do controle social, a ausência de gestão da clínica e a baixa profissionalização dos gestores, os problemas nas relações de trabalho, o próprio modelo de atenção, e o subfinanciamento é uma marca central na problemática de financiamento do SUS.
“O PSF não fracassou, mas o ciclo da atenção básica à saúde, no qual ele nasceu e cresceu, esgotou-se. A saída não está em retroceder, mas em avançar, radicalizando o PSF para transformá-lo, de fato, numa estratégia de saúde da família”.
Outro ponto que ajudou a fragilizar o PSF foi o sistemas de apoio diagnóstico, segundo o autor, aborda que existe um sistema de patologia clínica no SUS que geralmente evidencia uma situação quase caótica, neste contexto se misturam ineficiência, baixa qualidade, dificuldades de acesso para usuários, redundâncias, além de demora para liberação de resultados. Diz ainda que: “Sequer se pode falar, nesse caso, de subfinanciamento desse sistema porque se poderia fazer muito mais com os recursos gastos que giram em torno de 1,5 bilhão de reais por ano”.
Os problemas do sistema de patologia clínica transcendem o PSF, mas repercutem de forma acentuada, nesse espaço de saúde. Os problemas mais comuns no PSF são: insuficiência na carteira de exames; ausência de protocolos clínicos sobre os exames utilizados rotineiramente; oferta insuficiente, em quantidade e qualidade…
Vai além – “Os problemas do sistema de patologia clínica atingem todas as etapas do processo de assistência laboratorial. A indicação e solicitação de exames são feitas de forma inadequada, muitas vezes sem base em evidências; o preparo das pessoas
usuárias é insuficiente; a coleta, o armazenamento e o transporte deixam a desejar; a realização do exame tem sérios problemas de eficiência e qualidade; e a fase pós analítica apresenta problemas na análise dos resultados e na liberação dos exames.
Outro fato importante abordado no livro , “As unidades de PSF carecem de sistemas informatizados para classificação de riscos das pessoas em situação de urgência e de prontuários clínicos familiares eletrônicos”.
Quanto a distribuição de recursos considera – “Do ponto de vista redistributivo as transferências federais e estaduais, em geral, não obedecem a padrões que discriminem positivamente os municípios mais pobres, o que é socialmente injusto.
O autor propõe um novo ciclo no SUS – “A proposta de um ciclo que se denomine de atenção primária à saúde ao invés de atenção básica vai além de uma opção semântica porque propõe uma nova forma de estruturar a APS como uma estratégia de organização do SUS”.
No campo da mudança ideológica cita Beveridge, que diz: “O erro está na falta de desenvolvimento tecnológico, gerencial e científico da ESF, ancorada em um modelo para país pobre por mais que hoje o Brasil seja uma potência econômica mundial…uma ESF só para pobres termina sendo uma ESF pobre”
Sobre o novo ciclo comenta que o movimento de estruturação deve convocar um novo pacto federativo na atenção à saúde, também exigirá um fortalecimento institucional das instâncias responsáveis pela APS que passará por um incremento dos recursos financeiros destinados à APS, o que é fundamental para aumentar a eficiência alocativa do SUS, implantação de sistemas eletrônicos de informação clínica, utilização de equipes multiprofissionais, fortalecimento gerencial da unidades, um controle social efetivo, o financiamento adequado, entre outros.
Outro ponto, a melhoria da infraestrutura – “A população pode ser pobre, mas não valoriza “postinhos de saúde” pequenos, pouco cuidados e sem condições infraestruturais para dar suporte a uma ESF confortável e de qualidade.”, é necessário também garantir todas as tecnologias sanitárias, sustentadas por evidências científicas, e que estejam inseridas nas diretrizes clínicas da ESF.
Outra mudança importante é um novo sistema de apoio diagnóstico que deverá ser fortalecido para que possa dar sustentação a uma clínica de qualidade. Ainda sobre o sistema de apoio diagnóstico, comenta: “O fortalecimento do sistema de patologia clínica é fundamental, o que passa por um processo de mudança radical em sua organização e operação.
Vilaça, cita que um bom exemplo de organização do sistema de patologia clínica como suporte da APS é o da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba que estrutura-se num desenho que concentra o processsamento, descentraliza a coleta e liga essas duas pontas por meio de uma logística eficaz. A coleta de exames é descentralizada em 104 unidades de APS e o processamento centralizado em um único laboratório.
A estruturação trouxe consigo novos objetivos como a maior satisfação das pessoas usuárias das unidades de saúde, melhores condições de trabalho para os profissionais, obtenção de dados epidemiológicos, armazenamento de informações que se transformam em instrumentos gerenciais, ampliação da resolutividade do sistema municipal de saúde e ganhos de escala articulados com melhoria da qualidade.
E tem muito mais neste bom livro, citei aqui partes mais relacionadas ao apoio diagnóstico, mas a obra chega a ser quase uma bíblia, afinal são 512 páginas e pasmem, 1192 referências bibliográficas, abordando o modelo de APS, como programa, e sobre este avalia que, apesar de seus bons resultados, chegou ao seu limite e esgotou-se. É preciso transformar o PSF numa estratégia de reordenamento do SUS. Ou seja, é preciso inaugurar um novo ciclo da APS que, indo além do discurso, implante, efetivamente, a ESF como um novo paradigma de cuidados primários à saúde.
Para finalizar, Eugênio Vilaça diz que, a consolidação da ESF implica a adoção de uma agenda ampla de mudanças que este livro propõe e detalha. Dentre elas, a implantação de um modelo de atenção às condições crônicas que convoca transformações profundas na clínica e na gestão da ESF.